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Registro de Desenho Industrial e a Antecipação de Tutela

Anali de Oliveira Anhuci

 

A antecipação da tutela jurisdicional, introduzida no sistema processual civil brasileiro pela Lei 8952/94, adquiriu enorme importância em ações que versam sobre direitos de propriedade industrial, principalmente em razão da insuficiência, na maioria dos casos, das medidas cautelares preparatórias.

O sucesso das cautelares, como as de busca e apreensão, por certo fortificam os argumentos e documentos da posterior ação principal, porém não provocam qualquer efeito durável e real na esfera da parte acionada, devendo a parte interessada aguardar pelo julgamento definitivo da demanda para obter resultado efetivo.

Com o advento da tutela antecipada, restrições são efetivamente impostas ao agente do ilícito, coibindo-se, além do mais, o abuso do direito de defesa, eis que o decurso do tempo, antes adversário da efetividade do processo, bem como o uso indiscriminado de recursos protelatórios, não mais aproveitam ao réu.

Para que se possa conceder a antecipação de tutela, devem restar preenchidos os requisitos previstos no Art. 273 do Código de Processo Civil, quais sejam, a prova inequívoca do direito afirmado pelo autor e a verossimilhança das suas alegações.

Apesar de aparentemente contraditórios, referidos requisitos querem traduzir a necessidade de se firmar um juízo de probabilidade; em outras palavras, deve o Juiz se convencer de que o direito afirmado pelo autor provavelmente existe, ainda que mediante cognição sumária, ou que, pelo menos, apresenta elementos que se sobrepõem ao direito da parte contrária.

Apresentando-se a antecipação de tutela viável em qualquer espécie de ação, a princípio também possível em ações pautadas em registro de desenho industrial. Se o autor da demanda é legítimo titular de registro de desenho industrial, e traz à apreciação do Poder Judiciário conflito dele decorrente, pode requerer a antecipação da tutela jurisdicional, demonstrando estarem preenchidos os requisitos respectivos. Teoricamente, não se pode vislumbrar qualquer empecilho ao pedido antecipatório.

A Lei de Propriedade Industrial nº 9279/96, em seu título II, dispõe sobre o registro de desenho industrial.

Os artigos 101 e seguintes estabelecem o procedimento de registro, devendo-se destacar o teor do Art. 106, segundo o qual, uma vez apresentado o pedido e observado o disposto nos artigos 100, 101 e 104, será automaticamente concedido o registro, com a expedição do certificado.

Fato é que os dispositivos precedentes, até aqueles ressalvados no artigo 106, não dizem respeito, em absoluto, a exame prévio do pedido apresentado, que será analisado apenas em seu aspecto formal.

Em última análise, a forma de concessão do registro de desenho industrial, carente de exame apurado, torna o título um direito fragilizado. Como fonte de fundamentação à demanda específica, conduz à inviabilidade de formulação de pedido antecipatório.

Por força da forma temerária com que o registro de desenho industrial é concedido, tem o seu titular dificuldade intransponível de demonstrar o cabimento da antecipação de tutela.

Todo e qualquer pedido antecipatório merece enorme cautela por parte do órgão julgador, sendo preferível, muitas vezes, aguardar pela defesa para apreciá-lo adequadamente.

Na hipótese de demanda que verse sobre suposta violação de registro de desenho industrial, a cautela deve ser ainda maior, eis que, pelos motivos já descritos, a questão invariavelmente dependerá de cognição exauriente, ainda mais porque a nulidade do registro de desenho industrial pode ser alegada como matéria de defesa.

O titular de registro de desenho industrial, em verdade, não tem em mãos título hábil a produzir prova inequívoca de seu direito, pois, no momento da concessão, não foi o seu pedido analisado com a ideal profundidade.

Poderá se levantar que a aparente fraqueza do registro pode conduzir a situação injusta ao seu titular, que se verá obrigado a aguardar pelo julgamento definitivo do feito.

Não se pode perder de vista, entretanto, que a natureza da tutela antecipada demanda a formação de juízo de probabilidade, conceito mais amplo que o da aparência da verdade, insuficiente à satisfação antecipada da pretensão do autor.

O óbice à antecipação da tutela jurisdicional em ações escoradas em registro de desenho industrial já foi alvo de decisão do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, ilustrado no julgamento do Agravo de Instrumento nº 134.551-4/1 pela 10ª Câmara de Direito Privado, acima transcrito.

Após brilhante análise da matéria, concluiu o ilustre Relator do recurso que o fato do registro de desenho industrial ser concedido pelo INPI sem exame prévio impossibilita a apreciação da pretensão do autor sem dilação probatória, para que, em sede judicial, sejam verificados os requisitos do registro legalmente exigidos.

Indubitavelmente, tanto as inovações da Lei de Propriedade Industrial, concernentes ao processo de registro de desenho industrial, quanto as inseridas no sistema processual civil brasileiro, traduziram uma latente preocupação com a celeridade de procedimentos administrativos e judiciais, consistindo em significativa tentativa de oferecer aos interessados adequada contrapartida. Entretanto, não se pode negar que os pressupostos de uma não se conciliam com os da outra, revelando-se no mínimo arriscada, se não inviável, a aplicação de tutela de cognição sumária aos processos que versam sobre registro de desenho industrial.

 

ACÓRDÃO

   Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 134.551-4/1, da Comarca de SÃO PAULO, em que é agravante ENGESIG INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., sendo agravada RONTAN ELETRO METALÚRGICA LTDA.:

  ACORDAM, em Décima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte do acórdão.

  O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAURÍCIO VIDIGAL (Presidente, sem voto), ROBERTO STUCCHI e MARCONDES MACHADO.

São Paulo, 23 de novembro de 1999.