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A PROPRIEDADE INTELECTUAL NAS REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIAS

Após muitas décadas vivendo à sombra da teoria geral do direito comercial, o estabelecimento (antes comercial, hoje empresarial) ganhou seu lugar no nosso direito positivo, no art. 1.142 do Código Civil de 2002.

Embora o mencionado artigo de lei o declare simplesmente “complexo de bens organizado”, Oscar Barreto Filho em sua “Teoria do Estabelecimento Comercial” melhor o especificava como complexo de bens materiais e imateriais organizado pelo empresário para o exercício da empresa. A principal finalidade da caracterização do estabelecimento como tal era a possibilidade do seu trespasse, como objeto unitário de direitos.

Como devem se lembrar os advogados de propriedade industrial mais maduros, na vigência do Código de Propriedade Industrial de 1945 a marca só poderia ser transferida com o estabelecimento (acompanhada do gênero de negócio). Hoje a marca circula livremente no mundo dos negócios, podendo ser objeto de negócios jurídicos translativos, independentemente do trespasse do estabelecimento.

Assim também as patentes (de invenção e de modelo de utilidade), os desenhos industriais e até os direitos de autor, todos objeto dessa propriedade sui-generis chamada de propriedade intelectual.

Na época dos grandes comercialistas brasileiros, como Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira e mesmo Oscar Barreto predominavam no mercado os comerciantes individuais e seus estabelecimentos (conjunto de bens) e o negócio jurídico padrão era o trespasse do estabelecimento, como objeto unitário de direitos (art. 1.143).

Hodiernamente é muito raro o trespasse do estabelecimento como tal. Na época das pessoas jurídicas, costuma-se separar um setor determinado do estabelecimento sob nova pessoa jurídica e transferir a terceiros as ações ou quotas dessa pessoa jurídica. Transferido o estabelecimento, transferem-se ao adquirente os bens imateriais integrantes do “complexo de bens organizado” por força do próprio trespasse do negócio (estabelecimento).

Na simples cessão de controle (de quotas ou ações) não há trespasse do estabelecimento, que segue de titularidade da mesma pessoa jurídica.

Não assim nos casos de incorporação ou fusão (ou mesmo de cisão integral ou parcial), casos em que surge uma nova pessoa jurídica titular dos bens imateriais componentes do estabelecimento.

O que muitos esquecem, no afã de realizar as fusões e incorporações, é que os bens de propriedade industrial não se transferem simplesmente através do arquivamento na Junta Comercial das assembléias de fusão ou incorporação. A lei de propriedade industrial determina que as transferências de propriedade dos bens imateriais só produzem efeito perante terceiros após sua averbação perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Caso contrário, a nova pessoa jurídica não pode arrogar-se a titularidade sobre tais bens de propriedade industrial, seja para coibir sua contrafação, seja para negociá-los com terceiros.

Após esta década de fusões e aquisições realizadas em profusão no Brasil, é fácil imaginar-se a balbúrdia em que se encontra a propriedade industrial em nosso país, com milhares de marcas e patentes largadas no limbo, sem titulares legítimos.

Fico pasmo de ver que os programas de MBA de nossos melhores cursos jurídicos contemplam em seus programas “due diligence” em matéria tributária e em meio ambiente e silenciam acerca da propriedade industrial.

As grandes bancas de advogados deveriam trabalhar em conjunto com os agentes de propriedade industrial quando atuarem em fusões e aquisições, seja na fase de “due diligence”, seja por ocasião da consolidação dos negócios.

De qualquer forma, assentada a poeira das reorganizações societárias, indispensável se faz uma auditoria acerca da real situação jurídica dos bens de propriedade industrial envolvidos.

Newton Silveira