Cruzeiro Newmarc

Por Lyvia Carvalho Domingues

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu[1] recurso de apelação interposto pelo GOOGLE BRASIL em face de sentença que julgou procedente ação movida pela Ticket360 Tecnologia e Soluções Ltda., em razão do uso indevido da marca registrada “Ticket360” como palavra-chave em anúncios patrocinados no Google Ads.

A decisão de 1ª. instância havia condenado o Google a: “(i) a fornecer os dados cadastrais (nome, endereço físico e eletrônico, CPF e número de telefone) da pessoa que contrata os anúncios do ‘Google Ads’ referentes aos links acostados às fls. 9; (ii) a excluir o site utilizado de modo abusivo. Consignou que a distribuição do ônus de sucumbência merece fundamentação específica, diante da peculiaridade do presente caso”. Além disso, o Juiz de 1º grau afastou a incidência do art. 19 do Marco Civil da Internet, e condenou o réu, Google, ao pagamento das custas e de honorários de sucumbência.

O réu, Google Brasil, recorreu e sustentou não possuir obrigação legal de armazenar ou fornecer dados cadastrais (como nome, CPF, e-mail ou número de telefone), mas tão somente os registros de acesso à aplicação (IP, data e hora), nos termos do artigo 15 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Alegou, ainda, que a sentença extrapolou os limites legais ao exigir a entrega de dados não previstos em lei e que não estão em sua posse, o que configuraria obrigação de impossível cumprimento, vedada pelo artigo 248 do Código Civil. Afirmou que a própria legislação e jurisprudência do STJ reconhecem a suficiência do fornecimento do IP para identificação do usuário, e que, uma vez fornecidos os dados previstos, eventuais identificações pessoais devem ser buscadas junto ao provedor de conexão.

No tocante a desindexação da URL apontada, afirmou que cumpriu integralmente a obrigação nos limites técnicos possíveis, pois o conteúdo não se encontra mais disponível, tampouco indexado na Busca do Google.

Sustentou, mais, que a remoção de conteúdo depende de ordem judicial específica, com a devida individualização por meio de URL, sendo inviável a análise subjetiva pela plataforma acerca de eventual ilicitude, sob pena de censura e violação à liberdade de expressão. Por fim, alegou ausência de pretensão resistida, requerendo o afastamento da condenação em custas e honorários, ou, subsidiariamente, que cada parte arque com os honorários de seus patronos.

O cerne do recurso de apelação consistia em aferir se o Google pode ser responsabilizado civilmente pela veiculação de anúncios patrocinados que utilizam indevidamente marca registrada de terceiro, no caso, “Ticket360”, em sua plataforma Google Ads.

O Google tentou atrair a incidência do art. 19 do Marco Civil da Internet — segundo o qual provedores de aplicações de internet só podem ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.

Todavia, o Tribunal negou provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença de 1ª. instância, para afastar a aplicação do art. 19 do Marco Civil da Internet e reconhecer a responsabilidade do Google pelos ilícitos praticados em sua plataforma.

De acordo com o Tribunal, a natureza da atividade do Google nesses casos não tem relação com a disponibilização de conteúdos espontâneos dos usuários. O que acontece, nesses casos, é a prestação de serviços publicitários, por meio de ANÚNCIOS PAGOS, nos quais o Google atua ativamente, definindo algoritmos, curadoria e exibindo publicidade da qual obtém lucro direto.

Neste sentido é o seguinte trecho do julgado:

“No presente caso, não se trata de conteúdo espontâneo gerado por usuários em redes sociais ou fóruns públicos, mas de anúncios pagos, claramente inseridos no contexto de atividade comercial, dos quais a Google aufere lucros diretos, razão pela qual não incide ao caso o referido dispositivo legal.

A jurisprudência majoritária, inclusive do C. Superior Tribunal de Justiça, vem reconhecendo a responsabilidade civil objetiva de provedores de internet em situações que envolvem conteúdo patrocinado ou impulsionado, haja vista a natureza ativa e intermediária exercida por tais plataformas.”

            De forma acertada, o Tribunal se posicionou no sentido de que a tese do Google não poderia ser aceita, pois, na qualidade de prestador de serviço, lhe competia o ônus de zelar pela legalidade dos anúncios veiculados, configurando negligência grave permitir o uso ilícito de marcas de terceiros como palavras-chaves para o impulsionamento desses anúncios, verbis:

A omissão da plataforma diante de conteúdo evidentemente fraudulento, que viola direito marcário e expõe consumidores a risco, configura negligência grave, ultrapassando a proteção prevista no artigo 19 do Marco Civil da Internet.”

Importa ressaltar que a ferramenta de venda de anúncios do Google configura, em essência, uma típica prestação de serviços publicitários. Não há qualquer fundamento para conferir ao Google um tratamento diferenciado, afastando sua responsabilidade, especialmente sob a ótica do art. 19 do Marco Civil da Internet.

O art. 19 visa assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, atribuindo a obrigação de retirada e responsabilização dos provedores de aplicação somente se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências necessárias para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente. Assim estabelece:

“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

O uso indevido de marca na ferramenta publicitária do Google não se enquadra na hipótese prevista no art. 19 do Marco Civil da Internet. Por meio do Google Ads, a empresa comercializa espaços publicitários em seu mecanismo de busca, desempenhando atividade de natureza essencialmente mercantil e publicitária, da qual aufere lucros expressivos.

O grande problema está na ausência de segurança desse serviço, que permite aos anunciantes se valerem de marcas registradas de concorrentes para promoverem suas páginas.

De acordo com a teoria do risco-proveito, não só o anunciante, mas também o Google deve arcar com as consequências desses atos. “SE SITE DE BUSCAS DELIBERA CONTRATAR COM MILHARES DE USUÁRIOS SEM QUALQUER PRÉVIO CONTROLE DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS IMATERIAIS ALHEIOS, E COM ISSO AUFERE RECEITAS, MAS POTENCIALIZA O RISCO DE DANOS, DEVE RESPONDER SE O RISCO SE CONVERTE EM PREJUÍZO REAL. Em outras palavras, SE O CONTRATO FIRMADO ENTRE O GOOGLE E SEU ANUNCIANTE GERA DANOS A TERCEIROS, AMBOS OS CONTRATANTES DEVEM SER RESPONSABILIZADOS” (TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível 0130935-08.2012.8.26.0100, j. 9.11.2016).

Nessa esteira é a conclusão do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, por unanimidade, entendeu que é inegável que o Google assume posição de protagonismo na cadeia de consumo, atraindo para si a responsabilidade por eventuais ilícitos praticados mediante sua plataforma publicitária.

O caminho adotado no acórdão anexo é o da jurisprudência majoritária.

De forma acertada, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, aplicou o disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços por defeitos na prestação do serviço, sendo evidente, no caso, o defeito na curadoria e controle de anúncios fraudulentos.


[1] Apelação Cível nº 1162338-89.2023.8.26.0100. 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Relator Marcello do Amaral Perino. Votação unânime. Julgado de 02/09/2025.