NEWTON SILVEIRA*
Os direitos subjetivos podem ser divididos em três categorias:
– os direitos reais, que têm por objeto bens externos ao sujeito. O direito real mais característico é o direito de propriedade, que pode ser definido como o direito mais amplo que um sujeito de direito tem sobre um bem externo ao sujeito. O Direito Romano o definia como “ius utendi, fruendi et abutendi”, que pode ser traduzido como o direito de usar a coisa, obter rendimento dela e dela dispor.
É um direito absoluto, no sentido de que é oponível contra todos (“erga omnes”). Em outras palavras, o direito de propriedade exerce-se diretamente sobre a coisa e indiretamente sobre todos os outros sujeitos de direito, que são obrigados a respeitar essa relação jurídica entre o proprietário e o objeto da propriedade.
– os direitos de personalidade, os quais se exercem sobre atributos da própria pessoa, como o nome, a imagem, a honra, os títulos acadêmicos, ou o próprio corpo, bem como a intimidade e a privacidade. São também direitos absolutos, mas que diferem dos direitos reais por não serem disponíveis (são inalienáveis e irrenunciáveis).
– os direitos de crédito (ou obrigacionais) que decorrem dos contratos ou dos atos ilícitos, tornando um sujeito de direito credor de uma prestação por parte de outro sujeito de direito (o devedor). Diferentemente dos anteriores, são direitos relativos porque só obrigam o devedor perante o credor (não são oponíveis “erga omnes”).
Pois bem, os direitos sobre certos bens incorpóreos ou imateriais constituem direitos reais, objeto de um ramo do Direito chamado de Propriedade Intelectual. Há muita confusão a respeito da natureza da propriedade intelectual.
O quadro 1 mostra que o nome ou a imagem das pessoas fazem parte dos direitos de personalidade, embora muitas pessoas os confundam com os direitos autorais. Portanto, o nome e a imagem são inalienáveis, embora seu uso possa ser autorizado contra pagamento de uma espécie de “royalty”. Uma das conseqüências é que, se uma pessoa autoriza uma empresa a registrar seu nome ou imagem como marca, essa autorização sempre pode ser revogada e o registro da marca desconstituído. Certos atos relacionados à propriedade intelectual, como os contratos de transferência de tecnologia ou atos de concorrência desleal, geram direitos de crédito ou obrigações do devedor em favor do credor, mas essa relação jurídica só produz efeitos entre as partes, não sendo oponíveis a terceiros.
Os bens imateriais, objeto da propriedade intelectual, podem ser divididos em duas categorias: as criações intelectuais (que pertencem originariamente aos seus criadores) e os sinais distintivos (que pertencem às empresas).
Passando ao quadro 2, as criações intelectuais protegidas pelo direito brasileiro são objeto de quatro leis: a lei de direitos autorais, a lei do software (programas de computador), a lei das cultivares e a lei de propriedade industrial.
Quando a propriedade intelectual se consolidou (como resultado da revolução francesa e da extinção das corporações de ofícios), duas espécies de criadores foram contempladas pelas primeiras leis: o autor no campo das artes (direito de autor) e o autor no campo da indústria (direito do inventor).
Embora ambos os tipos de criações resultem do trabalho intelectual de seus autores, era relativamente fácil distinguir uma criação da outra através de seus efeitos. A criação no campo das artes vai produzir efeitos na mente (e na sensibilidade) das outras pessoas; a criação no campo da indústria vai produzir efeitos no mundo material (uma nova máquina, um novo processo de fabricação, um novo produto que produzam um efeito útil). O direito de autor foi classificado como parte do Direito Civil (tendo como requisito a originalidade da obra) e o direito do inventor como parte do Direito Comercial (tendo como principal requisito a novidade, objetivamente considerada).
Essa divisão da propriedade intelectual sobre as criações do espírito em duas áreas do direito privado tornou-se inadequada no mundo contemporâneo. Enquanto a obra artística não foi publicada e os planos de uma invenção estão guardados na gaveta do inventor, ambos (autor e inventor) encontrariam guarida no Direito Civil, até porque, estando na esfera da privacidade, são, nessa fase, objeto de direitos de personalidade. No momento em que vão para o mercado, as obras artísticas e a invenção passam a ser produtos, objeto do tráfico comercial.
Essa divisão tradicional se complicou quando surgiu a primeira lei do software no Brasil (1987), pois os programas de computador são obras técnicas, mas que facilitam uma operação mental. A solução encontrada (um tanto forçada) foi enquadrá-lo como um direito de autor especial (através de lei específica que mistura normas de direitos autorais com normas de propriedade industrial). Essa ruptura com o sistema tradicional foi tão grande que já se fala em substituir o direito da propriedade intelectual pelo direito da informação…
Para complicar mais ainda, surgiu a lei das cultivares (uma espécie de propriedade intelectual no campo), que tem por objeto novas variedades vegetais (sementes e partes reprodutoras de plantas).
Todas as quatro leis exibidas no quadro 2 são leis recentes, editadas pelo Brasil para atender a um tratado internacional chamado de Acordo TRIPs, uma sigla incompleta da expressão “Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights”. Para completar as obrigações assumidas pelo Brasil no TRIPs falta ainda uma nova lei relativa aos circuitos integrados.
A Lei de Propriedade Industrial compreende duas classes de direitos: as criações industriais e os sinais distintivos (quadro 3). As criações industriais pertencem originariamente a seus autores (uma espécie de direitos autorais no campo da técnica). Os sinais distintivos pertencem às empresas (ou, mais tecnicamente, aos empresários individuais ou sociedades empresárias).
O fundamento da proteção às criações industriais é o estímulo a novas criações, através da concessão pelo Estado de um monopólio temporário. O fundamento da proteção aos sinais distintivos é diverso: tem por fim evitar a concorrência desleal praticada por meio de atos confusórios.
As criações industriais (quadro 4) se restringiam, de início, às invenções. Preenchidos os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, o Estado concede ao inventor uma patente, que confere ao seu titular um monopólio por vinte anos para fabricar, vender ou usar o produto ou processo de fabricação patenteado.
Uma invenção pode ser definida como a solução de um problema técnico não encontrável na natureza. Certas modificações de forma em produtos já inventados podem melhorar o seu uso. Alguns países, como o Brasil, criaram a categoria de modelos de utilidade para essa espécie de criações (o prazo de proteção é menor – quinze anos). Tanto a invenção como o modelo de utilidade são protegidos através de uma patente – um certificado expedido pelo Governo, após a realização de um exame técnico que conclua que os requisitos legais foram atendidos.
Há ainda uma terceira categoria de criações industriais que é tutelada pela Lei de Propriedade Industrial – os desenhos industriais, que constituem mera criação de forma dos produtos industriais (bi ou tridimensionais), sem levar em conta qualquer vantagem prática, mas meramente “ornamental”. São uma espécie de direito autoral de segunda classe para produtos industriais. Sua proteção se efetua mediante um simples registro e pode durar até 25 anos.
Tanto as patentes (de invenção e de modelo de utilidade) quanto os registros de desenho industrial são concedidos por um órgão federal – o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Certos sinais distintivos eram utilizados pelos comerciantes desde que existe o comércio. Com a formação do Direito Comercial, no final da Idade Média, alguns sinais já eram protegidos sem necessidade de lei especial: os nomes dos comerciantes e das sociedades comerciais, os títulos de estabelecimento e as insígnias comerciais.
Com o advento da revolução industrial e a circulação de mercadorias fora dos estabelecimentos que as fabricavam, tornou-se necessária uma proteção mais eficiente para as marcas dos produtos e mercadorias. Como o sistema de patentes mostrou-se eficaz através da concessão de um certificado pelo Governo, essa mesma estrutura (requerimento, exame e expedição de um título de propriedade) serviu de modelo para a concessão de um registro de marca (pelo mesmo órgão federal – o INPI). O registro de marca tem caráter concorrencial, de forma que cada marca é exclusiva dentro do ramo de atividade de seu titular, com exceção das marcas famosas, chamadas de alto renome, que possuem uma ampla proteção.
O quadro 5 lembra que não se deve confundir os sinais distintivos (das empresas) com os nomes e imagens de pessoas naturais (direitos de personalidade).
Numa época de acirrada concorrência, os direitos sobre os nomes empresariais e as marcas (e outros sinais, como o título de estabelecimento e, até, os nomes de domínios na Internet) representam valiosos ativos das empresas e são causa de muitos litígios na Justiça.
Feita essa breve explanação, podemos chegar ao quadro geral que resume tudo o que foi exposto.
É com o fito de divulgar matéria tão importante quanto a propriedade intelectual, que o Instituto Brasileiro da Propriedade Intelectual e a FAAP passarão a promover eventos, seminários e cursos, a partir do início de 2002.