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Marcas: Signo do Empresário a Título Originário e a Título Derivado

Dr. Newton Silveira*

 

No exercício de sua atividade profissional o empresário (antes, o comerciante, na ótica do Código Comercial), utiliza-se de diversos signos distintivos, para distinguir-se perante a clientela, fornecedores, bancos e autoridades públicas.

Como empresário individual ou pessoa jurídica, adota um nome comercial, ou empresarial, seja firma (Dec. 916 de 1980) ou denominação (Lei nº 6.404 de 1976).

Sua tutela decorre originalmente da Constituição Federal (art. 5º XXIX) e do Código Civil (art. 18), já que a tutela do nome é decorrência do reconhecimento da personalidade jurídica.

Como nome de pessoa, a tutela ao nome não está sujeita ao princípio da concorrência.

Outros signos são estritamente concorrenciais, como o título ou a insígnia do estabelecimento, os sinais ou expressões de propaganda, e, especialmente, as marcas de indústria, comércio e serviços.

Ao passo que o nome comercial e o título e a insígnia encontram sua fonte nos primórdios do direito comercial, a marca é fruto da revolução industrial, da produção massificada.

No Brasil, a primeira lei de marcas data de 1875, fruto da absolvição dos primeiros contrafatores de marcas que a história jurídica do Brasil teve notícia, em ação que fora patrocinada pelo recém formado advogado Rui Barbosa.

As mercadorias e produtos da indústria (e, hoje, os serviços), pela sua facilidade de circulação nos mais variados mercados, passaram a exigir um título de propriedade formal, que tomou como modelo os certificados de patentes de invenção. Assim, ao lado dos direitos sobre as criações intelectuais (direitos de autor e invenções industriais), passou a existir um outro bem imaterial objeto de propriedade, a marca registrada, cujo direito decorre de um título conferido pelo Estado.

Formalmente, não há diferença entre um certificado de patente e um certificado de registro de marca. Ambos são concedidos pelo Estado e conferem, nos termos da lei, a propriedade e o uso exclusivo sobre um bem imaterial. Quanto ao seu fundamento, diferem totalmente. Um tutela a criação intelectual (como direito autoral), outro tutela um signo em uso por uma empresa, em decorrência do direito do empresário de distinguir-se em uma situação de concorrência.

Assim, não há que falar em direito de criação sobre a marca. A marca é escolhida pelo empresário para assinalar seus produtos, mercadorias ou serviços. Basta, nos termos da nova lei, que seja visualmente perceptível. Este é o requisito intrínseco. Extrinsecamente, deve ter capacidade distintiva no âmbito concorrencial, o que se define por novidade relativa e princípio da especialidade.

Não deve, pois, constituir-se numa palavra de uso comum ou termo técnico ou genérico, por lhe faltar distintividade. Se lhe for conferido caráter distintivo, através de composição verbal ou gráfica, o requisito estará atingido. Deve se diferenciar de nomes comerciais, títulos de estabelecimento, insígnias ou marcas de terceiros, a fim de preencher sua função concorrencial.

Fora do âmbito da concorrência, o signo escolhido não deve ferir outras classes de direitos de terceiros. Portanto, não deve ser contrário à moral e os bons costumes, nem reproduzir ou imitar armas e brasões públicos, nomes ou designações de entidades oficiais, nacionais, estrangeiras ou internacionais, nem mesmo títulos ou símbolos de competições esportivas, como o símbolo olímpico.

Até aqui, estamos no campo dos signos distintivos (relativos a entidades, estabelecimentos ou a produtos, mercadorias ou serviços), quer se refiram aos signos empresariais ou de entidades públicas ou similares.

Agora, temos de nos defrontar com outras classes de direitos: os direitos de personalidade (especialmente os nomes e imagens de pessoas) e os direitos que tutelam a criação intelectual.

Os direitos de personalidade são, por natureza, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. São bens fora do mercado, ou extra-patrimoniais. Dessa forma, para que uma empresa registre como marca o nome ou figura de uma pessoa (bem como seu pseudônimo ou nome artístico), depende da expressa autorização de seu titular. Dada a autorização, esse signo poderá ser registrado como marca, e transformar-se numa “propriedade industrial”. Mas essa autorização pode ser cassada a qualquer tempo, o que provocará a desconstituição dessa “propriedade” sui generis.

Assim, também, no que toca aos direitos de autor sobre obra artística, dado o seu componente de direito moral.

TITULARIDADE

A nova lei de propriedade industrial, nº 9279, de 14 de maio de 1996, estabelece no § 1º do art. 128, um requisito de legitimação para requerer e ser titular de registro de marca:

“As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei”.

Assim, as marcas competem às pessoas (físicas ou jurídicas) enquanto empresárias e em relação a seu ramo de atividade. Nos termos do projeto do Código Civil, empresário é aquele que exerce atividade econômica organizada para a produção e distribuição de bens e serviços para o mercado. É verdade, porém, que a lei vigente e a classificação de marcas abrem o registro a certas atividades não empresariais: as profissões liberais e as associações civis de fins não lucrativos.

Já o direito sobre as criações do engenho (direitos de autor e direitos do inventor) competem à pessoa enquanto autor e os direitos de personalidade, à pessoa enquanto pessoa.

REGISTRABILIDADE

São registráveis todos os signos do empresário (e do profissional liberal e das associações civis e fundações) exceto, conforme o art. 124 da Lei de Propriedade Industrial:

– os de titularidade das entidades de direito público ou assimiladas:

“I – brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;

IV – designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público;

XI – reprodução ou imitação de cunho oficial, regularmente adotada para garantia de padrão de qualquer gênero ou natureza;

XIII – nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento;

XIV – reprodução ou imitação de título, apólice, moeda e cédula da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, ou de país.”

– os que pertencem à linguagem comum e, portanto, não pode ser apropriados a título exclusivo, retirando-os do domínio público:

“II – letra, algarismo e data isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo;

XVIII – termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir;”

– os que ferem direitos de personalidade:

“II – expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou a imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração;

XV – nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;

XVI – pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;”

– os que ferem direitos autorais de terceiros:

“XVII – obra literária, artística ou científica, assim como os títulos que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do autor ou titular;”

– os que ferem direitos de propriedade industrial de terceiros:

“V – reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;

IX – indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica;

XII – reprodução ou imitação de sinal que tenha sido registrado como marca coletiva ou de certificação por terceiro, observado o disposto no art. 154;

XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;

XXII – objeto que estiver protegido por registro de desenho industrial de terceiros; e

XXIII – sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia;”

– os que interferem com o desenvolvimento técnico:

“XXI – a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou ainda aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico;”

– as proibições direcionadas exclusivamente por motivos burocráticos:

“VII – sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda;

XX – dualidade de marcas de um só titular para o mesmo produto ou serviço, salvo quando, no caso de marcas de mesma natureza, se revestirem de suficiente forma distintiva;”

– finalmente, aqueles que possam levar a engano (marcas deceptivas):

“X – sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedência, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que a marca destina.”