Desde o Estatute of Monopolies da Rainha Ana e da Lei Le Chapelier de 1791, que, após a ruína do sistema feudal, eliminaram os privilégios reais e extinguiram as corporações de ofícios e dos comerciantes, estabelecendo o princípio da “liberté, égalité et fraternité”, as constituições do mundo civilizado instituíram a liberdade de iniciativa e de trabalho (vide art. 170 da Carta Magna de 1988).
Ambas as declarações, inglesa e francesa, aboliram toda a espécie de monopólio ou privilégio, exceto o dos inventores, “a mais sagrada das propriedades”, e, como conseqüência, o dos autores de obras “literárias, científicas e artísticas”.
Antes, ainda no sistema feudal, tornara-se quase impossível o tráfico de mercadorias, porque o espaço europeu achava-se dividido entre senhores que cobravam pedágio das caravanas que circularam com as mercadorias.
Oportunamente, ao menos, foi reconhecida a liberdade de circulação nos mares internacionais.
Com o advento da revolução industrial, paralela à ascensão da burguesia (instrumentalizada pela revolução francesa de 1789), haviam-se instituído monopólios reais sobre a impressão de livros (suportados pelo poder de censura dos soberanos) e sobre a produção industrial (em substituição ao sistema das corporações, que definhava).
Após as Convenções da União de Paris (propriedade industrial) de 1883 e da Convenção da União de Berna (direitos de autor) de 1886, a doutrina vem se esforçando em enquadrar, dentro de limites estritos, os diversos bens imateriais objeto da propriedade intelectual, como as invenções, em contraposição aos bens tutelados pelo direito autoral, e as marcas registradas (como superação dos sinais distintivos do direito comercial tradicional ? o nome comercial, o título de estabelecimento e a insígnia).
Um primeiro conflito de competência das leis específicas surgiu com o desenho industrial (vide meu “Direito de Autor no Desenho Industrial”).
Mais recentemente, a questão do enquadramento do software ? direito de autor ou propriedade industrial? (vide o caso Lotus v. Borland) ? e a mais moderna ? das patentes para métodos de fazer negócios via internet ? vêm tentar superar todos os limites, propugnando-se por um direito da informação (e não à informação), como sobre as bases de dados não criativas.
Finalmente, a biotecnologia e as cultivares colocam em cheque a tradicional oposição entre invenção e descoberta, através da tentativa de apropriação dos códigos genéticos (e, até, do genoma humano).
Estaremos instituindo um novo sistema feudal de cobrança de pedágios (não mais sobre o espaço geográfico, mas sobre a produção e circulação de bens e serviços para o mercado), a cargo das novas corporações, cujo resultado financeiro será direcionado, como sempre, ao norte ocidental?
É nesse contexto que surge a “Community Design Regulation – Council Regulation EC nº 6/2002”.
De acordo com comunicado do escritório R.G.C. Jenkins & Co. de Londres, datado de 21 de março de 2002, “it will be possible to use the system to cover a very wide range of designs, both 2 and 3 dimensional, including many purely functional items, packaging, set-up and even graphic symbols such as logos or computer icons. The system is therefore expected to provide an extremely useful form of protection not hitherto available and it will be of interest to trade mark owners, licensing companies, designers, manufacturers and many other besides”.
Exceto cheiros, sons e palavras, bem como formas ditadas pela função (forma necessária do produto), todo o mais poderá ser objeto de registro. Segundo Jenkins, “new logo, device or graphic trade marks can be protected by Community Designs”. E, mais adiante, destaca que o sistema é “useful for protecting properties such as cartoon characters or three-dimensional toy figures”. Ou, ainda, que “Community Designs protect even designs where technical function is the only design consideration”.
O novo sistema europeu rompe, assim, com os limites das marcas, do direito autoral e das invenções técnicas, como tradicionalmente considerados. Resta saber se o sistema albergará a imagem de pessoas naturais, já que ao menos o sistema jurídico britânico não reconhece os direitos de personalidade relativos ao nome e à imagem e suas características (vide o caso Phantom na Inglaterra).
Resta observar, no futuro (as novas normas somente entrarão em vigor em 2003), se o novo sistema demonstrará ser benéfico ou maléfico à concorrência, fundamento constitucional e inspiradora das leis de propriedade intelectual.
* Newton Silveira