Cruzeiro Newmarc

A PROPRIEDADE INTELECTUAL NA INTERNET

OMENAGEM AO PROFESSOR WALDIRIO BULGARELLI


                                                                                                          Dr. Newton Silveira


Noticia-se que a taxa de inclusão na Internet deve crescer 24% ao ano, dobrando de tamanho a cada três anos. A Internet é um instrumento de democratização.

Talvez, finalmente, esteja se concretizando um dos direitos fundamentais do homem, expresso no art. XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada pela ONU, em 10.12.1948): “Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios”.

A questão que se coloca é a 2ª alínea do mencionado art. XXVII: “Todo homem tem o direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor”.

Já vai longe o tempo da Lei Le Chapelier (1791), ocasião em que se declarava que a criação (artística ou industrial) representava a mais sagrada das propriedades. Hoje, via de regra, esses direitos estão nas mãos das grandes empresas transnacionais e não constituem mais uma questão de sacralidade, mas de política econômica internacional…

Na rede mundial de computadores circulam bens, objeto de direitos autorais como de propriedade industrial (patentes, marcas e desenhos industriais). Para tentar evitar a pirataria, a tecnologia inventa métodos de codificação e encriptação.

Isso porque a chamada “pirataria” de músicas por intermédio do software MP3 permite o acesso gratuito a obras musicais. Um verdadeiro acesso democrático ao mercado de discos. O chamado Projeto Madison, patrocinado pela IBM e os cinco maiores selos da indústria fonográfica (BMG, EMI, Sony Music, Universal Music e Warner Music), tenta criar um standard que permita aos consumidores pagar pelas músicas que recebem via Internet.

No entanto, há que diferenciar aqueles que promovem uma comunicação pública dos usuários do sistema. Estes, ao reproduzirem uma gravação para uso próprio, praticam algum ilícito?

Coloca-se, aqui, de novo, a questão do art. XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos e seu conflito imanente: os direitos do usuário e os do autor acham-se em contraposição? Ou essa remuneração compete aos que divulguem a obra e dessa divulgação obtêm renda? Onde fica a democratização das informações?

Sílvia Gandelman, escrevendo sobre o tema em “A propriedade intelectual na era digital ? A difícil relação entre a Internet e a lei” (http://www.gilbertogil.com.br) escreve: “As sanções que se prevêem até o presente momento dificilmente atingem o usuário final que, em última análise será o pirata”.

E, mais adiante, escreve a ilustre autora: “No entanto, com a utilização da gigantesca copiadora que é a Internet, qualquer indivíduo pode gravar em seu computador a cópia perfeita de um banco de dados completo ou de clip de video inteiro. Será isto ainda fair use?”.

Termina a autora seu texto com a indagação: “Quando pensamos em regulamentar o uso de informação e particularmente na proteção de direitos, onde traçar a linha entre os interesses dos detentores de direitos e os dos usuários?”.

A respeito desse tema, a própria justiça norte-americana titubeia. Uma juíza norte-americana havia concedido liminar determinando que a Napster Inc. cessasse a distribuição de música voa Internet a partir da meia-noite do dia 26 de julho. Essa decisão foi revogada pelo tribunal local, em virtude de recurso da Napster alegando que não havia meios para controlar o compartilhamento de arquivos para o pagamento de direitos autorais.

Em minha opinião, há que separar o que é público e o que é privado, sob pena de sacrificar-se o próprio princípio do humanismo, expresso na Convenção Universal dos Direitos Humanos.

Há, também, que distinguir o que é empresarial, do que é do cidadão, como decorrência necessária.

Quando a nova Lei de Direitos Autorais brasileira, n. 9.610, de 1998, alterou o texto relativo à cópia privada, realizou uma verdadeira invasão do ambiente privado. Assim é que o art. 46, II, da referida Lei, estabelece que: “Não constitui ofensa aos direitos autorais: II ? a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista desde que feita por este sem intuito de lucro;”.

Se tomarmos o texto legal ao pé da letra, as ansiedades de Sílvia Gandelman estarão atendidas: não posso copiar, via Internet, bases de dados, livros, músicas ou filmes por inteiro, para meu próprio uso.

Estarei, então, praticando uma infração de direitos autorais, sujeito a uma busca e apreensão no recesso de meu lar!

No entanto, numa interpretação sistemática, não devemos desconsiderar o texto do art. 68 da mesma Lei, que estabelece que depende de prévia e expressa autorização do autor a utilização de obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas em representações e execuções públicas.

Assim, posso representar ou executar em ambiente privado, mas não posso copiar…

A cópia privada, mesmo que por inteiro, equivale à representação e execução privadas.

Outra coisa é a divulgação (publicação ou distribuição) e o uso com intuito de lucro, empresarial, portanto.

Em face dessa nova realidade que é a Internet, devemos desagravar e democratizar o uso privado, e agravar, em contrapartida, o uso público e empresarial, privilegiando, assim, tanto o usuário quanto o autor e o empreendedor, os quais devem ser estimulados.

Não é chamando o usuário de pirata, que vamos resolver a questão.

Em judicioso artigo publicado nos Annales de L’Université des Sciences Sociales, Ed. 1998, Jacques Larrieu discorre acerca do tema sob o título “Idée et propriété”.

Inicia seu texto fazendo remissão ao art. XXVII da já mencionada Declaração Universal dos Direitos do Homem, afirmando que “nesse texto curioso, dois interesses antagônicos, o direito a participar da informação e o direito de autor, são igualmente celebrados como um direito do Homem”.

Em seu texto, destaca a contraposição entre o domínio público das informações e os direitos excepcionais do criador.

Segundo esse autor, se, de um lado, a regra é da não-apropriação das idéias, a evolução do mundo impõe novos modos de pensar: “Numa sociedade qualificada de pós-industrial, a importância financeira dos bens imateriais deve ser tomada em consideração pelos juristas: as idéias em si possuem um valor econômico quando as indústrias da ’matéria cinzenta’ (publicidade, consultoria, engenharia, advogados, arquitetos…) promovem a competitividade e a riqueza das nações”. “Uma parte importante da doutrina moderna se pronuncia a favor de uma proteção das idéias e da informação”. “Além dos criadores, são os usuários que reclamam o reconhecimento de seus direitos”.

A propósito do tema, refere o autor que “com a Diretiva Européia de 11 de março de 1996 e a Lei francesa de 1 de julho de 1998, aparece o primeiro reconhecimento legislativo sobre uma proteção jurídica de certas idéias, as quais se espelham em uma base de dados”. “um novo estado de espírito, nascido da cibercultura, vem pôr em dúvida a oportunidade dessas soluções”.

Conclui o autor, dizendo que “com a Internet, uma nova cultura se desenvolveu, a qual vem contestar os direitos tradicionais dos autores”. “Os direitos dos usuários não devem ser entravados pelos paralisantes direitos dos autores, caso contrário será todo o espírito da WEB que será posto em perigo. Mais que tudo, a liberdade e a gratuidade devem ser a regra”.

Isso, do ponto de vista do usuário.

Mas, o mesmo autor adverte: “Sem criador, sem fornecedor de conteúdo, o universo dos internautas seria bem fraco”. “É necessário, assim, preservar as conquistas da propriedade intelectual”.

Do ponto de vista dos titulares de direitos autorais, aparentemente o arsenal legislativo é bastante amplo:

· a Convenção de Berna para a proteção das obras literárias e artísticas;
· a Convenção de Roma para a proteção dos artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas e os organismos de radiodifusão;
· o Acordo de Madri para o registro internacional de marcas;
· o Acordo de Lisboa para a proteção das denominações de origem;
· o Convênio para a proteção dos produtores de fonogramas;
· o Convênio de programas transmitidos por satélites;
· o Tratado da  OMPI sobre direitos de autor;
· o Tratado da OMPI sobre interpretação ou execução de fonogramas.

Embora o Brasil não seja signatário de todos os tratados acima enumerados é partícipe da Convenção de Paris para a proteção da propriedade industrial, das Convenções de Berna, Roma e Lisboa (acima enumeradas) e do acordo TRIPS (anexo ao acordo que criou a Organização Mundial do Comércio ?  OMC).

Por outro lado, a Lei de Direitos Autorais brasileira de 1998 é compatível com os tratados da OMPI (os quais tiveram em vista as inovações tecnológicas da Internet), especialmente quanto à proteção ao software, às bases de dados e à defraudação de códigos de acesso ou de identificação de obras autorais.

Novas questões, no âmbito empresarial, desafiam os legisladores e julgadores.

Assim é que os tribunais norte-americanos já se defrontaram com questões de conexões de um site a outro na Internet. Se, nessas hipóteses, haveria violação de copyright, de marca, ou concorrência desleal.

O linking (ou hyperlinking) de um site a outro já foi objeto de manifestação judicial nos Estados Unidos, que concluiu não haver uma infração de copyright tendo em vista o interesse manifestado na Primeira Emenda pela manutenção do livre fluxo de idéias e informações na Internet.

Já quanto ao framing, onde o conteúdo de outro site é exposto em janela do site acessado, pode ser considerado um uso indevido de marca, já que o outro site parece estar reembalado no site originalmente acessado.

Outro desafio que surgiu recentemente é a questão da patenteabilidade dos métodos de fazer negócios via Internet. Aparentemente, essa matéria está excluída da patenteabilidade nos termos da Lei de Propriedade Industrial brasileira 9.279, de 1996.

Nos EUA, que já foram precursores nas patentes de biotecnologia e de softwares, os métodos de fazer negócios, desde que preencham os requisitos de atividade inventiva, novidade e aplicação industrial (em sentido amplo), passaram a ser objeto de patentes.

Uma decisão judicial norte-americana de 23.7.1998 declarou que um sistema de negócios baseado num sistema informático é patenteável e que os métodos comerciais não devem ser diferenciados de outros métodos hábeis a serem patenteados.

Os casos mais famosos nos EUA são a Patente 5.897.620, de 1999, concedida à Priceline Com. Inc., relativa a “método e equipamento para a venda de bilhetes aéreos” e a Patente 5.960.411, também de 1999, concedida à Amazon Com. Inc., relativa a “método e sistema para promover uma venda via comunicação por rede”.

Embora a lei brasileira estabeleça no art. 10, III, que “não se considera invenção nem modelo de utilidade: (…) esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários de sorteio ou fiscalização”, é muito provável que tais sistemas venham a ser, na prática, objeto de patentes no Brasil, num exame caso a caso, visto que o Acordo TRIPS, subscrito pelo Brasil, obriga os países originários a conceber patentes em todas as áreas de tecnologia, exceto aquelas por ele expressamente excluídas.

Finalmente, o tema mais popular e jornalístico dos nomes de domínio.

Aparentemente um inócuo endereço digital, passou a ser objeto de disputas empresariais através de todo o mundo.

A liberdade democrática da informação, sem qualquer peia, vejo a permitir que qualquer particular ou empresário adotasse como endereço na Internet seja o nome de uma estrela famosa (ex. Julia Roberts), uma marca de alto renome ou um nome comercial.

A tradicional desconfiança no Judiciário não se justificou, pois as primeiras decisões nos casos Luk. Com. Br. e Ayrton Senna vieram a demonstrar o empenho do Judiciário em resolver os novos problemas. A FAPESP, órgão que, por delegação, procede ao registro de nomes de domínio no Brasil, não quer saber de questões legais, até pela formação de seus integrantes, essencialmente engenheiros.

Desde que a conexão se efetue tecnicamente, não é problema da instituição as questões que acarretam (até que venha a ter de pagar uma polpuda indenização, momento em que terá de contratar um terrível advogado).

A questão não é simples, pois envolve a limitada proteção das marcas registradas por ramo de atividade, o eventual reconhecimento das marcas notórias e de alto renome, o direito ao nome comercial, os direitos personalíssimos ao nome civil e ao patronímico, os pseudônimos notórios, os nomes e siglas de instituições oficiais, a apropriação de designações genéricas ou de uso comum e, até, os conflitos propriamente entre dois nomes de domínio similares, capazes de desvio de clientela.

As marcas consistem numa nova nomenclatura, criada para o mundo empresarial.

Foram precedidas pelo nome do comerciante, inscrito nos Tribunais do Comércio, complementado pela forma ou razão social, com o advento das sociedades comerciais, e a denominação social, característica das sociedades anônimas.

Todos esses nomes são relativos a pessoas: o comerciante individual ou a pessoa jurídica.

A seguir, ainda dentro do mundo estritamente comercial, vieram o título de estabelecimento e a insígnia, designativos do estabelecimento comercial, objeto de direito e não sujeito de direito.

Já no campo da propriedade industrial, ramo especializado do direito comercial, surgiu a tutela à marca registrada, que se inseriu no conceito de propriedade sobre bens imateriais, de início reservada às criações intelectuais.

O novo conceito de propriedade industrial veio a albergar as marcas, títulos de estabelecimentos e insígnias e o nome comercial ou de empresa, todos sob a designação de sinais distintivos utilizados pela empresa sob garantia constitucional. Aqueles sinais não tutelados diretamente, como os sinais e expressões de propaganda encontram abrigo nas normas de repressão à concorrência desleal, que coíbem os atos confusórios.

Com o advento do Código Civil de 1916, que institucionalizou a personalidade jurídica, as sociedades civis, associações, fundações e cooperativas tiveram assegurado o direito às suas denominações, como conseqüência do próprio fato de serem pessoas perante o universo jurídico.

As leis de direitos autorais, por sua vez, consagraram o direito ao nome e pseudônimo do autor e ao título de obra artística.

Os nomes de pessoas e de famílias viram reconhecida sua tutela na Lei de Propriedade Industrial e através da jurisprudência, como um reflexo do direito à imagem, hoje garantido constitucionalmente.

Outros sinais surgem, como a designação de cultivar, objeto de lei específica.

Podemos referir, ainda, as marcas de gado e os nomes de embarcações, registrados perante os Ministérios da Agricultura e da Marinha.

Dentro desse universo de sinais, podemos distinguir os que designam pessoas e os que designam coisas, objetos de direito.

Os nomes de pessoas naturais ou jurídicas encontram uma tutela ampla. As pessoas jurídicas de direito público, nacionais ou internacionais, encontram seus designativos protegidos por convenções internacionais e através das leis internas de propriedade industrial. O símbolo olímpico é objeto de um tratado internacional específico. Os nomes comerciais ou de empresa são tutelados através da Convenção de Paris, independentemente de registro e das leis comerciais que regulam o registro de firmas ou a constituição de sociedades de capitais.

A jurisprudência veio consolidar esse direito, abrangendo as sociedades civís (que também são empresariais) e, por extensão, as sociedades sem fins lucrativos.

Esse direito é reconhecido de forma ampla, independentemente de área geográfica e de ramo de atividade, já que as pessoas jurídicas são também pessoas e têm direito à sua identidade.

É importante salientar que, em termos de direito positivo, foram as normas de propriedade industrial que tomaram a dianteira na tutela aos nomes, imagens e sinais que indicam pessoas (naturais ou jurídicas, empresárias ou não), proibindo seu registro como marca sem autorização do titular.

Foram também as normas de propriedade industrial que vieram a regulamentar a aquisição de direitos exclusivos sobre os nomes de coisas, produtos ou mercadorias.

A aquisição de direitos exclusivos sobre nomes e sinais que designam coisas postas no comércio não foi simples. Já não foi fácil os juristas e legisladores estabelecer o conceito de bens imateriais consistentes em obras do engenho humano, no campo das artes e da indústria, objetos do novo direito de propriedade sobre bens imateriais. Em atenção às necessidades do comércio, o conceito foi estendido às marcas e aos desenhos industriais.

Mas, ao menos, esses sinais ? agora considerados bens imateriais sujeitos ao direito de propriedade ? designavam coisas materiais (produtos ou mercadorias postas em circulação no comércio.

Um novo avanço foi dado quando as leis de propriedade industrial e as convenções internacionais passaram a admitir as marcas de serviço.

Passamos a ter bens imateriais (marcas) que designam uma prestação de serviços, também incorpórea ou imaterial, ao lado dos títulos de obras tutelados pelo direito autoral, que também compreende bens imateriais (obras) ou prestações dos artistas.

De início essas obras eram materializadas em livros, discos ou outro suporte material. Depois veio o rádio, a televisão, os programas de computador e, agora, a Internet.

Não importa, porém, qual o meio de comunicação, seja material (através de produtos ou out-doors) ou virtual, para que a violação de direitos sobre sinais distintivos se concretize, na conformidade das regras específicas que tutelam cada tipo de sinal apropriável.

Assim, o uso no interior de um site de nome ou imagem de pessoa natural, de nome de empresa ou de qualquer outra pessoa jurídica, que venha a atingir sua identidade, fere seu direito de diferenciar-se de outros sujeitos de direito, esteja ou não em uma situação de concorrência.

Já quando se trata de designações de bens e não de pessoas é preciso verificar se tais sinais encontram ou não uma tutela legislativa específica, como é o caso das marcas registradas. De qualquer forma, tratando-se o sinal ou designação de uma espécie de informação divulgada para o público, deve-se levar em conta o direito do consumidor de ser corretamente informado e de não ser enganado por uma falsa identificação.

Isso tudo tomando-se em consideração que estamos tratando de uma informação dentro do site.

Para adentrar o site, porém, é preciso acessar o seu endereço, conhecido como nome de domínio. Pelos mesmos motivos acima expostos, o nome de domínio não pode consistir em nome de pessoa, natural ou jurídica ou nome de coisa que seja tutelada pelo direito segundo suas regras específicas de exclusividade, salvo pelo próprio titular ou com sua autorização.

Face à especial proteção conferida às marcas pelo direito, não é de estranhar que, de início, se tenha pensado em excluir da disponibilidade de nomes de domínio as marcas registradas de terceiros. Na FAPESP, optou-se por excluir da disponibilidade eletrônica certas designações oficiais (que indicam pessoas jurídicas de direito público) e cerca de duzentas marcas que foram chanceladas pelo INPI, na vigência da Lei de 1971, como marcas notórias. As normas norte-americanas, ora aplicadas pela arbitragem da OMPI, consideram tão-somente as marcas registradas, entendendo-se os nomes de pessoas como marcas, como foi o caso de Julia Roberts.

A jurisprudência brasileira vem acolhendo o conflito entre nomes de domínios e nomes comerciais ou marcas, um pouco no sentido do direito norte-americano, ao considerar que Ayrton Senna era marca, sem levar em conta ser nome de pessoa (Tribunal de Justiça do Paraná). Já é alguma coisa, mas é pouco.

O universo de nomes não apropriáveis é muito mais amplo, e a FAPESP jamais conseguirá catalogá-los, por mais sofisticado que seja seu software e sua base de dados.

Mesmo que a FAPESP estabeleça uma conexão com a base de dados do INPI (que é acessível a qualquer cidadão), estarão fora os nomes de empresas (que deveriam constar da base de dados do DNRC), as denominações das sociedades e associações civis (registradas, por comarca, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas), os nomes e pseudônimos de pessoas naturais (simples cidadãos, artistas ou esportistas), os títulos de obras artísticas (que independem de registro), os nomes ou siglas de entes públicos nacionais, estrangeiros ou internacionais, as marcas estrangeiras não registradas no Brasil (tuteladas pelo art. 6-bis da Convenção de Paris), os nomes das cultivares e etc., aqui incluindo-se os nomes indígenas, já protegidos nos EUA e objeto de projeto de lei no Brasil.

Teríamos de pensar, também, no fato de que nome de uso comum não podem ser apropriados como marcas, mas podem ser apropriados como nomes de domínio. No entanto, é tarde para pensar nisso, porque não há como desfazer o que já está feito, ferindo direitos adquiridos.

Tudo isso nos leva a concluir que, embora o nome de domínio não seja nome de pessoa, mas nome de coisa ou endereço virtual (que já foi considerado título de estabelecimento visual), as regras mais apropriadas para serem aplicadas aos nomes de domínio deveriam ser as relativas aos nomes comerciais, e não as normas relativas às marcas.

Isso por vários motivos. Primeiro, porque os nomes comerciais não encontram restrição territorial (o que também acontece, de fato, com a Internet), nem se restringem ao princípio da especialidade das marcas. Segundo, porque admitem-se nomes empresariais constituídos por designações de uso comum, embora sua exclusividade seja limitada a nomes idênticos, e não semelhantes (aliás essa era, também, a regra, quando a Lei de Propriedade Industrial previa o registro de títulos de estabelecimento). Terceiro, porque o correto caminho processual parece ser o mesmo aplicável aos nomes comerciais.

Muito embora a ação de nulidade de registro de marca se processe perante a justiça federal, já que a lei prevê a participação do INPI na ação que pretende desconstituir um título atributivo de direitos, é certo que o registro de nome de domínio perante a FAPESP não se assemelha a um registro de marca. E a jurisprudência brasileira é constante ao entender que a ação que objetiva a alteração de nome comercial se processa contra o titular de nome comercial supostamente contrafeito, sem a participação da Junta Comercial no feito.

A ação é a impropriamente chamada de cominatória (ou designada por Gama Cerqueira de proibitória), na verdade uma ação ordinária de cumprimento de obrigação de fazer (alterar ou transferir o nome de domínio) e de não fazer (cessar o uso de nome conflitante), sob pena de multa diária pecuniária.

O juiz pode conceder a antecipação de tutela (de forma que a multa passe a incidir desde logo) e pode prover a execução específica da obrigação, caso o devedor não a cumpra (conforme a nova redação dos arts. 461/462 do CPC).

Esse efeito pode ser concedido mesmo em antecipação de tutela, já que não é irreversível, porque o nome de domínio transferido ao autor por determinação judicial, poderá ser revertido ao réu também por determinação judicial…

Não obstante, os agentes de propriedade industrial, afeitos aos tribunais administrativos, pleiteiam um órgão julgador intermediário, seja estatal administrativo, seja arbitral (que, na verdade, não é tipicamente arbitral, pois seria imposto às partes).

Nada obsta, já que à FAPESP repugna imiscuir-se nos meandros jurídicos com todas as facetas acima descritas, o que é razoável.

Tal decisão de órgão intermediário seria, sempre, sujeita ao crivo do Judiciário, face ao princípio constitucional de que nenhuma lesão a direito individual poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.

De minha parte, acredito pouco na suficiência desses tribunais administrativos, tais como o INPI ou as Juntas Comerciais, embora seja certo que o perdedor que saiba não ter razão pensará duas vezes antes de levar a juízo causa em que não crê.

Para que esse órgão julgador intermediário possa funcionar, precisará dispor de regras relativamente simples. Assinalar o nome de domínio a uma marca não resolverá a questão, face ao princípio de especialidade das marcas, que enseja a coexistência de marcas iguais desde que se apliquem a produtos ou serviços diversos. Essa regra é incompatível com o sistema de nomes de domínio, já que  o registro do primeiro veda automaticamente a inscrição subseqüente.

Portanto, o nome de domínio goza de uma proteção (técnica) ampla, como os nomes empresariais, ou, até, mais ampla, por não se achar em correlação a um objeto social.

Por não estar limitado a um certo ramo de atividade, abrange todos e, em conseqüência, conflitará com marca de terceiro anteriormente registrada. Em caso de disputa entre dois titulares de marca registrada, terá o direito ao nome de domínio aquele que primeiro o inscreveu, aplicando-se aos subseqüentes a regra das firmas homônimas, devendo aquele que chegou depois aditar designativo que o distinga (conforme o Decreto 916, de 1890).

Haverá, também, conflitos entre nomes de domínio semelhantes, que não correspondam a marca ou nome comercial de ninguém.

Mais uma vez, as regras que regulam os nomes comerciais são aplicáveis vantajosamente, pois o conflito independe dos ramos de atividades de cada qual.

Se os ramos de atividade dos titulares de cada nome de domínio forem iguais ou afins, ensejando a concorrência desleal, esse fato agrava o conflito, mas não é requisito essencial para caracterizar a contrafação (v. Banco Safra vs. Safra-Disco, Banco Lavra vs. Lavra Engenharia, Bunge & Born vs. Burg & Borg Posters e Cartões e muitos outros precedentes jurisprudenciais).

Em suma, aplicar ao nome de domínio a normativa dos nomes comerciais, ou seja, incluí-lo no conceito de nome comercial objetivo, parece-me ser o melhor caminho para resolver as questões relativas ao nome de domínio.